Ano 22 da Era Otesiana. Primeiro ano das Guerras de Renascimento. Ano da Conquista

Guerra! A barreira que protegia a divina cidade de Otesis abaixou. E a luz desafiante de de Gilias, o Farol de Otesis, brilhou para todos os cantos do mundo, alcançando os olhos dos tiranos que o agora recém-formado Drakynium desafia.

Em um primeiro ano avassalador, o descomunal e motivado poderio militar do Drakynium formado pelos lendários cavaleiros das Legiões Otesis, os inquebráveis soldados do Exército Otesiano, e os poderosos magos do Magis Solis, marcha para todas as direções da terra, atropelando os poucos inimigos deixados próximos de sua capital Otesis, conquistando um território significativo e crucial dos inimigos do Drakynium em tão pouco tempo.

Ainda assim, toda onda, por maior que seja, frequentemente encontra uma rocha ainda maior em seu caminho. Foi isto que o general Roist do Exército Otesiano descobriu em Reg’livar, uma fortaleza a sudoeste de Otesis, que mais poderia ser considerada uma cidade. Uma fortaleza dos Anões da Calamidade, os Sindarklai.

Por conta de uma situação única, as forças de Roist, após meses de vitórias ligeiras e avanços contínuos, se encontraram bloqueadas pela singular defesa da fortaleza em seus caminhos. Após duas semanas de diversas tentativas diferentes de anular ou contornar o que os impediam de se aproximar de Reg’livar e conquistá-la, o general Roist, por conselho de seu companheiro de campanha, o goblin e segrarca Aistran, convoca uma pessoa dita ser capaz de abrir as defesas da fortaleza, e tirar essa pedra de seu caminho.

Abaixo do céu noturno um Draco Otesis voa em direção ao solo, recuando seu corpo e batendo suas asas para pousar adequadamente. Uma fera majestosa, semelhante aos dragões, contudo menor em tamanho e sem capacidade de fala. Era um draco da legião Brasali, a legião vermelha; isso podia ser percebido em sua coloração que espelhava a legião da qual fazia parte. Esses detalhes muitos podiam notar, mas poucos saberiam reconhecer aquele draco em específico. Chamado apropriadamente de Skycross, ele não era o draco mais rápido apenas da legião Brasali, mas sim de todas as cinco Legiões Otesis.

Como de costume, um Draco Otesis é montado por um Cavaleiro Otesis. Skycross, já em solo, se abaixou suavemente para seu cavaleiro desmontá-lo. Ao lado do rosto de seu draco, o cavaleiro o acaricia, como se o agradecesse por mais uma viagem, e Skycross gostava muito.

“Chegou mais rápido do que eu esperava,” disse o pequeno goblin parado ali próximo, em pé já algum tempo, esperando eles chegarem. Esse era Aistran, segrarca do 4º segmento da Legião Brasali, os Scarlet Stars.

Vestido com a característica armadura vermelha de sua legião, com exceção do elmo, pois eles não estavam em combate, e não havia necessidade para tanto aperto, ainda. No peito da armadura ficava esculpido orgulhosamente o símbolo da legião Brasali, e em ambos os ombros o símbolo dos Scarlet Stars: um círculo com diversas pontas, semelhante a uma estrela e a uma explosão.

“Aistran,” disse o cavaleiro que acabara de chegar, feliz em ver o goblin. Ele remove o elmo, revelando um belo rosto élfico. Um sorriso surgiu no rosto de Aistran ao ver seu colega. “É bom te ver, Itrian.”

O draco rosnou inocentemente, como se quisesse lembrar que estava ali presente. “Assim como é bom te ver também, Sky,” disse o goblin, e o draco ficou feliz e satisfeito.

Itrian deu uns últimos tapinhas antes de entregar Skycross aos cuidadores que logo se aproximaram. “A gente se vê logo, parceiro.”

Se separando de seu draco, Itrian foi até Aistran. Como todo elfo, Itrian era alto e bonito. Cabelos loiros, incomumente curtos para sua raça, sempre voltados para trás como grama fina e amarela; aquele cabelo sempre dava a impressão de velocidade para quem quer que olhasse, e não estariam errados. 

A luz da noite refletia bem em seus olhos azuis claros. Coloração oposta a de sua armadura que, assim como a de Aistran, era vermelha, mostrando que eram cavaleiros Brasali. Em seu peito também carregava o símbolo de sua legião, mas seus ombros eram decorados com asas de anjos formadas por raios, a marca dos Storm Bringers, o 2º segmento de legião Brasali, segmento que Itrian era segrarca, assim como Aistran era para os Scarlet Stars.

Segrarcas de seus respectivos segmentos, cada um era líder de um quinto de toda legião, um dos cinco segmentos, e ambos estavam abaixo apenas do legrarca, líder de toda a legião. Mesmo tendo uma aparência adulta, Itrian era jovem, aos olhos de um humano, e praticamente um recém-nascido para um elfo. 

Entre aqueles dois, Aistran era o mais velho. Velho o bastante para ter visto Itrian ir de uma criança até o elfo que era hoje. E, depois de meses sem se verem, o pequeno verde enxergou Itrian como antigamente.

“É bom te ver, garoto,” ele disse, sorrindo. Itrian retribui o gesto. “Fico feliz em vê-lo bem, Aistran.”

Itrian tinha quase 1,90m de altura, enquanto Aistran não chegava a 1 metro. Mas foi o elfo que se abaixou até a altura de seu amigo para abraçá-lo. Eles viajaram e lutaram juntos num bando de guerra antes deste bando se tornar a corajosa legião Brasali. Pelo que eles passaram antes de seus nomes serem glorificados, apenas eles e seus outros companheiros de bando sabiam.

Guiando Itrian, Aistran caminhou pelo acampamento do exército. Barracas, tendas, fogueiras e muitas vozes de tédio, ansiedade, palpites e piadas. Soldados, magos e cavaleiros Brasali do segmento dos Scarlet Stars, todos estavam presentes no acampamento. Por mais que a armadura vermelha fosse comum naquele local, aqueles que o viam chamavam atenção para Itrian quando ele passava. Olhares de admiração, surpresa, e alguns de desgosto.

“Sinto muito por afastá-lo do Storm Bringers, Itrian,” Aistran se desculpou. “Mas eu não teria o incomodado com essa convocação se não fosse preciso.”

“Eles não vão perder apenas por uma ausência tão rápida. Além do mais, vai ser bom para Iskor se ocupar,” Tirar um segrarca de seu segmento era algo que geralmente apenas o legrarca podia fazer, mas como foi Aistran quem chamou Itrian. Não foi apenas uma convocação, foi o pedido de ajuda de um amigo. “Então, com o que precisa de minha ajuda?”

“Com aquilo,” Aistran disse, enquanto apontava o dedo. Ambos estavam no topo de uma pequena colina, e, há alguns quilômetros à frente de ambos, Reg’livar, a grande fortaleza dos Anões da Calamidade — um monumento de aço escuro e brilho ardente —, que Aistran e seu exército deviam conquistar.

O goblin, assim como todo seu segmento de cavaleiros, eram especialistas em explosões; habilidosos ao extremo em táticas de cerco, arruinamento de defesas, e desmoronamento de estruturas. E isso era conhecido por todo o Drakynium. 

“Não acho que essa fortaleza esteja acima de suas habilidades, Aistran. Qual o problema com ela?”

“A cidade não é o problema, rapaz,” o goblin o corrigiu. “Aquilo é o problema.”

Itrian finalmente notou que o dedo de Aistran não apontava para a cidade, mas para acima dela. Nuvens escuras formando uma gigantesca tempestade com tamanho que ultrapassava os limites de Reg’livar, cuja limite da altura não podia ser vista do solo, e inúmeros raios azuis surgiam e desapareciam por toda a sua extensão a todo momento.

O que antes simplesmente parecia ser o clima, Itrian logo percebeu que aquela tempestade não era natural. Era violenta, hostil, seus raios percorriam sua extensão como se quisessem saltar para fora dela e atingir a primeira coisa que tivesse o azar de estar próximo. Cada trovão era como um aviso para qualquer que se aproximasse.

“Aquela coisa não permite vocês se aproximarem, não é?” Itrian perguntou, percebendo a situação em que Aistran e os outros se encontravam.

“Você está certo. Aquela tempestade está lá desde que chegamos, há duas semanas, e sua ferocidade não diminuiu desde então. Ela ataca tudo que se aproxima. Nem mesmo podemos mover nossas armas de cerco sem sermos alvos de seus raios, muito menos disparar qualquer coisa que chegue perto dos muros da fortaleza. Se qualquer coisa que arremessamos sequer ameaçar acertar, a tempestade intercepta e destrói antes de chegar perto.”

Itrian olhou para aquela coisa que Aistran descreveu. Muitas tempestades ele já tinha visto, mas um monstro violento como aquele era raro, e ele precisaria de mais para saber como lidar com o desafio no céu à sua frente.

“Já tentaram soltar os projéteis acima da tempestade?”

“Sim. Eu e os Scarlet Stars sobrevoamos ela, os soltamos. Mas nenhum chegou ao solo, foram destruídos antes mesmo de atravessarem a tempestade. Depois de semanas, os homens dizem que essa cidade é protegida por Deus.”

“Se um Deus maior existe, ele não estaria contra nós,” disse o terceiro a se juntar a eles. Grande, robusto e forte, esse era o porte do cíclope que se aproximou dos segrarcas.

“Itrian,” Aistran o apresentou. “Esse é o general Roist, comandante desta campanha.”

Com seu único olho, ele analisou Itrian rapidamente, mas sua expressão não revelava sua impressão.

“Então é você quem Aistran chamou para resolver nosso problema.” Ele ofereceu a mão para um cumprimento. Que Itrian devolveu educadamente. “General.”

“Segrarca,” Roist disse respeitosamente, apertando a mão de Itrian. “Com certeza Aistran já lhe explicou nossa situação.”

“Sim. Contudo, ainda não sei o motivo do comportamento da tempestade. Se fosse apenas um encanamento do mago, não seria tão potente e tão duradouro. Vocês estão há duas semanas próximos dela, descobriram algo.”

“Está certo, Itrian,” Aistran afirma. “Descobrimos que a tempestade é controlada por um imenso elemental em seu centro. Um enorme olho feito de raios. Eu mesmo perdi alguns Scarlet Stars para conseguirmos essa informação.”

Tristeza era percebida na voz do goblin, e Itrian compadeceu com ele. Mas ambos estavam longe de terem sua vontade abalada.

“Pelo que vejo, precisam que esse elemental seja eliminado, assim a tempestade cessará.”

“Correto,” disse Roist com uma certa impaciência. “Os cavaleiros de Aistran já tentaram bombardear o elemental por cima, e tentaram atacá-lo diretamente, voando dentro tempestade. Ambas as tentativas foram completamente fracassadas.”

“A velocidade com que a tempestade intercepta e ataca é grande demais para algo ou alguém chegar perto do elemental.”

“É por isso que você está aqui,” Roist falou com dúvida na língua. “Consegue acabar com aquela tempestade em nosso caminho, Itrian?”

A escolha de uma certa palavra surpreendeu o segrarca do Storm Bringers.

“Me desculpe, general, mas acho que Aistran não lhe contou o que eu realmente faço,” Se Roist estava receoso, agora começava a duvidar. “Eu não acabo com tempestades, eu as trago.”

O goblin deu um sorriso de canto com a resposta que tremeu a montanhosa descrença de Roist.

“Mas como essa tempestade já está aqui, eu vou tomá-la,” Itrian só precisava de um pouco mais para terminar aquela conversa. “Aistran, você disse que seus cavaleiros voaram por dentro e acima da tempestade. Imagino que quando voaram acima, ela foi bem menos agressiva.”

“Você está certo. Ela parece focar mais em alvos em sua altura ou abaixo, já que seu objetivo principal é proteger a Reg’livar.”

Itrian agora já não precisava de mais nada.

“Eu vou atacar então,” o elfo disse, já caminhando de volta ao acampamento. “Quer que aguarde alguma permissão ou sinal?”

“Como se eu ousasse atrasar você,” Aistran disse, se despedindo com um sorriso, um desejo de boa sorte. O general Roist ficou na companhia do goblin, vendo Itrian ir embora como se sua confiança brilhasse naquela noite.

“Você havia me dito que ele era inseguro.”

“Eu disse que ele era quando o conheci,” Aistran o corrigiu. “Quando ele era criança.”

“A Sombra de Carlanis,” Roist lembrou do apelido de Itrian quando ainda não o tinha conhecido. “Esperava alguém mais fraco.”

“Ele não é a sombra de ninguém, general,” Aistran defendeu seu amigo. “Ele nasceu para brilhar.”

“Se é o que você diz.”

“É o que Carlanis diz.”

Esse nome Roist respeitava, mesmo tendo o visto menos vezes do que Itrian.

“Eles são irmãos, não são?” Roist começou a relacionar os dois. “Já havia me esquecido que ele era um drani.”

“Não o chame assim!” Aistran exclamou. “Eles podem ter o sangue drani nas veias, mas não carregam nenhum dos valores do Dranato. Principalmente, Itrian. Pelo contrário, ele encarna Vontade e Convicção. Como to Brasali.”

“Você confia tanto assim nele, Aistran?”

O segrarca de legião Brasali tinha uma forma adequada de responder a esta pergunta.

“Eu já ordenei aos meus cavaleiros para estarem prontos para quando ele livrar nosso caminho. Esse é o tanto que confio nele,” Aistran começou a caminhar para ir se preparar também. “Sugiro que faça o mesmo. Mas se sua dúvida apenas sumir junto com a tempestade que nos atrapalha, ainda hoje pedirá desculpas a ele.”

Itrian caminhava pelo meio do acampamento, em direção para onde Skycross estava. Conversando com Aistran era mais fácil ignorar os outros à sua volta. A maioria fazia comentários de admiração e vislumbre por ver um dos cinco segrarcas da legião Brasali. O Exército Otesiano e o Magi Solis tinham mulheres — ao contrário das legiões Otesis. A beleza de Itrian era algo difícil delas ignorarem.

Mesmo com pressa e em meio a tanta atenção rápida, ele sempre ouvia os cuspes de nojo sendo atirados com força intencional no chão, e o que as bocas diziam após.

Drani nojento. 

Não acredito que alguém assim é segrarca. 

Foi ele quem chamaram para acabar com a tempestade? Com certeza está planejando nos levar para uma armadilha.

É uma vergonha a armadura vermelha ser vestida por alguém como ele.

Ele deve ser um infiltrado do Dranato. Com certeza planeja trair o Drakynium no momento oportuno.

Todos com o sangue de Maliris deveriam morrer e apodrecer em outro plano. Assim não contaminam nosso solo com sua imundície.

Itrian caminhavam, fingindo que não escutava, fingindo que não reparava nos olhares de repulsa. Ele preferia focar naqueles que falavam bem dele, enquanto deixava cada palavra de ódio para trás junto com seus rápidos passos. Mesmo acostumado, para ele sempre era difícil. 

Ser julgado por algo que ele jamais escolheu ser, e não por seus bons feitos. Ele sempre se mostrava forte nesses momentos; conhecido por sua velocidade, ele nunca era rápido o bastante para fugir desse incômodo.

Com ou sem apoio, Itrian tinha uma missão naquele lugar: eliminar o elemental que controlava a tempestade, assim permitindo o ataque à cidade de Reg’livar. Ele já sabia como fazer, e sabia que não seria sozinho. O elfo já avistava sua montaria vermelha, e um cavaleiro de armadura vermelha estava de costas, o acariciando e o fazendo companhia.

“Espero que não o tenha alimentado muito, vou precisar dele leve.” Itrian se aproximou.

“Não é uma porção de ração que vai matar ele… ou você hoje,” disse o cavaleiro de armadura vermelha, se virando na frente de Skycross. 

“Ikidris?” Itrian apertou o olhos para diminuir a escuridão da noite, e apressou o passo para se aproximar.

“Mas se não é o nosso loirinho. Bom te ver Itrian.”

Ikidris era o capitarca da 1ª capitania dos Scarlet Stars. Era um humano de cabelos ruivos laranjas e totalmente penteados para trás, mas não espetados como os de Itrian, mas sim como se fossem lambidos. E seus olhos eram não-naturalmente vermelhos e puxados.

Itrian logo o abraçou, mais um amigo que ele não via a muito tempo.

“E como vai aquele bode velho do Iskor?” Ikidris perguntou do capitarca da 1ª capitania dos Storm Bringers.

“Comigo longe? Ocupado.”

Ikidris sorriu só de imaginar.

“Acho bom mesmo. Ele não pode viver só relaxando enquanto você toma conta de tudo.”

Ambos riram como amigos que eram, rindo das mesmas piadas toda vez que se encontravam.

“Eu só queria ver você antes da batalha. Aistran nos mandou ficarmos prontos para quando você conseguir,” Ikidris começou a ir embora. “Assim que você abrir caminho estaremos logo atrás, Itrian.”

“Apenas não me acertem quando começarem a atacar, está bem?”

“Você é rápido o bastante para desviar,” Ikidris deu então os últimos passos de frente para Itrian. “Nem pense em ir embora após a vitória, hoje a gente comemora junto. Te vejo depois da batalha.”

Um aceno de costas e o capitarca foi embora, para estar pronto quando Itrian completasse sua missão. Esta que ele realizaria sozinho.

Há menos dez quilômetros de Reg’livar Itrian voou em direção à cidade, mais precisamente em direção ao centro da tempestade. Ele recuou para ter mais espaço para ganhar velocidade, e assim o fez. Sky percorreu o céu noturno com um bater de asas que afastava nuvens. 

Em poucos minutos ele sobrevoava a tempestade. Itrian posicionou sua lança para  baixo, já posicionada para o que viria. Ele olhou para baixo e viu: um mar negro de nuvens, com serpentes azuis nadando dentro dele, que brilhavam e desapareciam logo em seguida, e com elas vinha um estrondoso barulho, como se a própria tempestade rugisse e o ameçasse.

Nenhum dos dois perdeu o foco ou se intimidaram, nem quando as ameaças viraram ataques. Do mar negro, raios azuis foram disparados acima, buscando Skycross e Itrian. O segrarca sabia reconhecer a potência daquelas violentas descargas de longe e antes mesmo de o alcançar.

As mais fracas ele deixava atingir a ponta de sua lança, um ponto metálico e o mais abaixo. A arma conseguia aguentar os relâmpagos menores e mais fracos, absorvendo sua carga, e a passando para Itrian, que sentia uma energia crescer dentro de si, como se estivesse sendo verdadeiramente carregado.

Contudo, quando os raios menores não foram o bastante, a tempestade disparou maiores. O céu parecia se dividir quando eles percorriam o ar para cima, querendo violentamente atingir Itrian e seu draco. Nesses casos, a velocidade Itrian era seu diferencial para ser o único capaz. Familiarizado com essas descargas naturais, ele puxava as rédeas de sua montaria voadora com um instinto quase clarividente, deixando os relâmpagos gigantescos passarem sem atingir nada. Eram tantos que ao redor deles nem parecia mais noite, pois o céu se iluminou com os raios tentando acertá-lo.

Mais e mais raios menores colidiam em sua lança, transferindo sua energia para Itrian, enquanto ele guiava Skycross e desviava dos maiores. Com sua mão esquerda Itrian segurava sua lança, e então ele sentiu que estava pronto. 

Domação de Raios. Esse era o nome do Tekyn (poder único) de Itrian. O permitia absorver raios que não fossem produzidos por ele. E melhor, a energia armazenada poderia ser gasta para potencializar o que Itrian quisesse. Contudo, os raios maiores eram demais para ele absorver, e ele jamais poderia permitir testar sua capacidade com a vida de Skycross em jogo. Não era porque Itrian pudesse aguentar um raio daqueles que seu draco também conseguiria.

Uma vez atingida a energia necessária, Itrian puxou as rédeas com sua mão direita, fazendo Skycross subir, passando a energia acumulada para sua montaria. Eles voaram para cima não retilineamente, mas sim fazendo uma curva, como se lentamente fossem se voltando para a direção de onde vieram (semelhante ao início de um looping).

Os disparos diminuíram, pois parecia que eles queriam fugir. Raios vermelhos começaram a estalar pelo corpo de Skycross, principalmente por suas asas. Do solo, o exéricito conseguia ver, através das negras nuvens e luzes azuis, um sutil e tímido brilho vermelho surgindo e percorrendo o céu.

Itrian continuava enviando energia, apenas o suficiente para Skycross não desacelerar, eles não podiam perder a velocidade. A subida era difícil, pois era quase reta.

“Vamos, amigo,” Itrian suplicou. “Você consegue.”

Skycrosse tremia, e suas asas faziam toda a força possível para se manterem abertas para realizar a manobra. O draco nem mesmo respondeu seu cavaleiro com um habitual olhar ou rosnado. Sua vontade e convicção estavam dedicadas no sucesso da missão. Não era apenas Itrian que sabia a importância do que eles estavam fazendo.

Eles se distanciaram e muito da tempestade abaixo; raios não eram mais atirados contra eles. E então finalmente atingiram a altura máxima, o topo do looping, e ambos estavam invertidos. Lá de cima, quando finalmente a frente de Skycross apontou para o solo, e para a tempestade abaixo dele, sem perder velocidade uma única vez, Itrian descarregou toda a energia que tinha acumulado.

Ele e sua montaria — em um segundo — brilharam imensamente numa luz sangrenta e se dispararam contra o mar de nuvens negros abaixo, deixando um rastro de mesma cor para trás. Como um tiro que desafia o mar, eles entraram violentamente na tempestade. Antes, que voaram acima, eles sabiam de onde os raios viriam, mas dentro, vinham de todas direções.

Os pequenos batiam neles e se desfaziam como vidro atirado numa parede. Além de energizar Itrian ainda mais, dando mais potência para eles. Já os maiores, se eles conseguiam desviar antes, agora pareciam lentos. 

E assim Itrian mergulhou pela negra tempestade. Pela fio de abertura de seu elmo ele focava, não em desviar, pois isso já menos que um reflexo para ele, e sim em achar seu alvo. O olho.

Ele tinha certeza que havia mergulhado no centro da tempestade, e havia apenas uma luz dentro daquela imensidão de nuvens que não desaparecia. Após passar pelas nuvens mais densas, Itrian e Skycross viram: um imenso olho feito de raios azuis. O “Deus” que diziam proteger Reg’livar, logo abaixo.

Ele não parecia com raiva ou espantadado perceber que alguém havia chegado tão longe, apenas ficou mais dedicado. Ele convocou raios ao seu redor, todos para colidir em Itrian dos lados e de frente, como flechas e agulhas imensas e brilhantes, centenas e direcionadas para um único ponto. Além disso, o elemental usou algo que até agora não havia precisado. Seu olho brilhou mais intensamente ao olhar diretamente para Itrian, como se reunisse uma energia e força imensa. Então disparou um túnel de trovões e eletricidade imenso do qual Skycross e Itrian não desviariam.

O cavaleiro segurou firme sua lança, e a deitou para frente, deixando sua ponta um pouco na frente da cabeça de seu draco, que olhava fixamente para o alvo dos dois. Itrian já havia usado a energia necessária para nadar por aquele mar, agora usaria tudo que tinha para matar o monstro. Eles brilharam como nunca antes, se eles não pareciam um verdadeiro raio vermelho, estavam dentro de um.

“Essa tempestade é minha,” Itrian bravejou, encarando aquilo que estavam ali para matar e que ainda resistia com toda sua força. “Sai do meu caminho, Deus!”

Eles penetraram o túnel azul de energia como uma flecha, o atravessando por completo e finalmente a ponta da lança de Itrian encontrou o começou do olho que os desafiava. A dupla perfurou o elemental de um lado ao outro com uma violência, força e, principalmente, uma velocidade descomunal.

O olho morreu de seu centro até as extremidades, se desfazendo num último grito mudo de agonia, deixando um rombo no meio do mar de nuvens, do topo à base.

Para Itrian e Skycross, desde que mergulharam em alta velocidade, tudo aconteceu em ínfimos segundos, mas para quem estava fora, foram vários segundos, o bastante para ver a proeza do segrarca dos Storm Bringers, que partiu o céu do Reg’livar naquela noite.

Itrian, por conta da velocidade extrema, não conseguiu conduzir Skycross para voar para longe da cidade. Eles despencaram em linha reta para dentro da cidade, chegando com um raio capaz de explodir um bloco inteiro. Uma leve cratera surgiu onde eles caíram, eles estavam dentro da fortaleza, e foram os primeiros a derramar sangue dos Sindarklai naquela batalha.

O exército ainda não havia sequer chegado próximo da cidade, então Itrian e Skycross ficaram sozinhos no primeiro momento do cerco, lutando com uma selvageria e coragem que apenas um cavaleiro e um draco Brasali eram capazes de demonstrar.

Como prometido, os Scarlet Scars de Aistran vieram assim que Itrian perfurou a tempestade, eles voaram com seus dracos sobre a cidade, fazendo chover suas bombas de Esferas da Desordem por toda a fortalezas, desmoronando suas estruturas e arruinando suas defesas. Alguns logo pousaram para não deixar Itrian e seu draco, que já haviam feito tanto, lutar sozinhos.

Alguns cavaleiros e soldados ficaram receosos ao notar que a tempestade não parou, mas logo ficaram corajosos quando viram que os raios, antes azuis, agora eram vermelhos. Itrian fez o que disse: ele não acabou com a tempestade acima de Reg’livar, ele a domou. Antes raios azulados que protegiam a fortaleza, agora eram vermelhos e atacavam as estruturas, torres, prédios e muros que protegeram por tanto tempo.

Como dedos de uma criança num formigueiro, a tempestade de Itrian parecia uma punição divina vinda dos céus que foi segurada por muito tempo. E que agora era solta contra seus inimigos.

Sem sua proteção, e defesas destruídas, o Exército Otesiano entrou com facilidade na cidade, vencendo a batalha de Reg’livar em uma única noite após semanas de impedimento. Mesmo aqueles que o olhavam com maus olhos não podiam negar: Itrian foi campeão da batalha de Reg’livar.

A vitória foi tão rápida, e com perda abaixo das mínimas, que antes que se notassem, a festa da vitória já estava acontecendo. E claro os Scarlet Stars jamais deixariam Itrian ir embora sem comemorar com eles. Muitos já eram amigos de longa data, e quem entrou na legião nos últimos anos, descobriu naquela noite o motivo de tanta estima por Itrian por parte de seus veteranos.

Como segrarca e como pessoa, Aistran sempre foi mais contido em festas, o que não podia ser dito de seu 1º capitarca.

“Você pode ser rápido, mas quero ver se bebe mais rápido que eu.” Ikidris desafiou Itrian. E por sorrisos, bebidas, música e vitória eles comemoraram.

Naquele dia a lança de Itrian receberia seu nome. Plerfitra, cujo nome significava ‘Perfuradora do Olho de Deus’. Com tudo, a arma não era a única que seria nomeada.

“Itrian, me desculpe,” disse o general Roist, ainda com a festa acontecendo.

“Desculpas, general?” Itrian perguntou ingenuamente. “Pelo quê?”

“Não vou mentir que duvidei de você,” ele lamentou com uma certa vergonha. “Mas você me mostrou o porquê da confiança e carinho que todos tem por você.”

Roist estendeu a mão para Itrian, dessa vez não por obrigação ou formalidade, mas para agradecê-lo com sinceridade. Agradecimentos que Itrian aceitou com gentileza.

“Espero compartilhar o campo da batalha com você novamente. Será uma hora, Relâmpago Vermelho.”

Itrian não entendeu e não acreditou. Ele não olhou para trás para ver se era com outra pessoa por vergonha. Mas todos ao redor dele sorriam, aprovando o que o general disse.

“Relâmpago Vermelho?”

“Sim,” Roist afirmou. “É o nome que lhe deram. Acredite, eu vi o que você fez de longe. Ele é mais do que apropriado.”

Todos seus amigos de armaduras vermelhas sorriam e acenavam, orgulhosos de seu companheiro. O rosto de Itrian então se iluminou com uma luz carmesim. Ele olhou para o céu e viu que sua tempestade não havia parado. Relâmpagos vermelhos permeavam o céu, mas vinham até o solo, não havia ninguém ali que Itrian quisesse ferir. Seus raios agora eram o que aquela festa tinha de mais próximo de fogos de artifício.

“Relâmpago Vermelho?” Itrian disse, analisando o nome rapidamente com otimismo e brilhos vermelhos iluminando o céu e os rosto de todos ao seu redor. 

Ele sorriu e disse: “Eu acho que gostei.”

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